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Sucesso mundialmente conhecido, o longa “Uma prova de amor” conta a história de Anna Fitzgerald, uma criança que foi concebida pelos pais com o intuito de salvar a vida de sua irmã, Kate, a qual é diagnosticada com câncer. Ao longo da obra cinematográfica, é possível observar que, desde muito pequena, Ana sempre esteve submetida à diversos exames e procedimentos dolorosos sem nunca ser ao menos perguntada sobre o seu desejo de realizar tais procedimentos. A trama tem então uma reviravolta quando Ana, na ocasião com 10 anos, se recusa a realizar a doação de um de seus rins para sua irmã e decide processar seus pais para obter controle sobre seu corpo. Trazendo essa problemática para o Brasil, seria possível uma criança realizar esse tipo de procedimento?

Primeiramente, faz-se necessário falar sobre um dos princípios norteadores no lidar com crianças e adolescentes: o Princípio do Melhor Interesse da Criança – o qual está disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. Esse princípio, no entanto, não significa uma forma de efetivar a vontade da criança, de averbar que essa será atendida. Significa que a vontade da criança deve ser observada e que todas as atitudes tomadas devem ser feitas em prol do melhor para a criança, ou seja, o melhor interesse não é nem aquilo que o julgador entende como a melhor coisa à ser feita para aquela criança/adolescente, tampouco efetivar a vontade do menor. Portanto, entende-se por melhor interesse da criança e do adolescente, aquilo que atende às suas necessidades como pessoa em desenvolvimento e garante, bem como protege, seus direitos fundamentais ao máximo.

No que tange a essa temática, cabe ressaltar também os personagens responsáveis pelo exercício diário do melhor interesse da criança e do adolescente. Em conformidade com o artigo 1.634, CC, compete aos pais o exercício do poder familiar, sendo eles, então, os responsáveis por cumprir o princípio do melhor interesse. Contudo, em alguns casos, o Estado pode agir, no que é chamado de paternalismo jurídico, atraindo para si a responsabilidade de exercer o referido princípio.

Superada essa premissa, é imprescindível dissertar acerca da legislação vigente que é responsável por regulamentar a doação de órgãos e tecidos no Brasil, a Lei nº 9.434/97. O referido dispositivo, em seu artigo 9º, declara que é permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de órgãos, tecidos e partes do próprio corpo vivo; esclarecendo, portanto, que crianças e adolescentes não podem doar órgãos duplos. Aos menores (crianças e adolescentes), a exposta lei permite apenas à doação de medula óssea, mesmo assim perante rigorosas restrições. A pessoa juridicamente incapaz somente poderá realizar tal procedimento desde que haja compatibilidade imunológica comprovada, consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais, autorização judicial e o ato não ofereça riscos para sua saúde. O curioso, nesse caso, é que a lei possui uma lacuna, uma vez que é omissa no que tange à vontade da criança ou do adolescente em realizar tal procedimento. Não consta na lei se a vontade do menor deve ser levada em consideração durante o processo judicial, principalmente quando essa diverge da vontade dos pais ou responsáveis legais. Apesar de a doação de medula não ser um procedimento irreversível, a técnica de coleta do material é dolorosa. Nesse caso, a recusa da criança ou do adolescente deveria ser um fator primordial na hora da decisão.

Em síntese, caso a obra cinematográfica fosse retratada no Brasil, a personagem Anna Fitzgerald não poderia doar um de seus rins para sua irmã, tendo em vista que tal procedimento é vedado pela Lei nº 9.434/97. Contudo, acerca dos diversos procedimentos os quais fora submetida a fim de que fosse coletada medula óssea, não se pode afirmar que a recusa da personagem seria validada e ponderada durante o processo judicial, uma vez que a mesma lei possui uma lacuna sobre esse assunto.

 

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