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Bem de família pode ser entendido como o imóvel utilizado para a residência, patrimônio mínimo do núcleo familiar, sobre o qual não poderá recair qualquer restrição que vise a satisfação de débitos civis. Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro comporta a existência de duas classes de bem de família: o convencional e o legal.

O bem de família convencional pressupõe a instituição voluntária prevista entre os artigos 1.711 e 1.722 do Código Civil, a qual demanda o enfrentamento à burocracia e despendimento de quantias consideráveis com os custos cartorários, tornando-se inviável para a maior parte das famílias brasileiras, sobretudo àquelas mais vulneráveis economicamente.

Por outro lado, a Lei 8.009/90, editada com uma finalidade protecionista e garantidora do mínimo existencial, dispôs de maneira ampla a impenhorabilidade do bem de família. Lê-se em seu artigo 1º:

“O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

Pergunta-se, no entanto, se, a despeito da delimitação prevista no texto legal, pode a pessoa solteira gozar da proteção prevista para o núcleo familiar nos termos da Lei, visando a impenhorabilidade de imóvel próprio em que tenha estabelecido sua residência.
Tal questionamento encontra resposta na Súmula 364 do STJ, segundo a qual “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”

A evolução da jurisprudência relacionada ao instituto permitiu o avanço das discussões acerca de sua própria razão de ser, de modo que o Superior Tribunal de Justiça definiu que a extensão da proteção conferida aos indivíduos solteiros sob a ótica do bem de família deriva da aplicação direta do direito constitucional à moradia, inserido no rol do art. 6º pela Emenda Constitucional n.º 26/2000, que, por sua vez, deriva da cláusula geral da tutela da dignidade humana.

Nas palavras do Ministro Humberto Gomes de Barros:

“A interpretação teleológica do art. 1º, da Lei n. 8.009/1990, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão”
(Embargos de Divergência no REsp n.º 182.233/SP)

Conclui-se que a análise criteriosa do caso concreto e das condições do devedor são importantes para que não haja desvio da finalidade do instituto de modo a prejudicar o credor de boa-fé, porém, num país em que a desigualdade social é acentuada, é importante ter atenção às garantias constitucionais que o fundamentam, visando a garantia da proteção à população mais vulnerável.

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